domingo, 18 de novembro de 2007

A direita aplaude de pé o filme Tropa de Elite

Há muito tempo as artes e a história desceram os heróis de seus pedestais e os colocaram na terra, feitos de carne e osso, com suas virtudes e seus defeitos; seres humanos ao final das contas. Mesmo assim, não todos os homens têm o título de herói por acaso, certos parâmetros e certas atitudes devem respeitar uma moral e uma ética para serem considerados como tal. Diferentes momentos históricos muitas vezes enterram, outras ressuscitam, certos personagens; mas sem dúvidas serão às classes (dominantes ou exploradas) as criam ou mantêm vivas aos seu referentes como modelos para o futuro.

O nascimento de um herói

O personagem principal e narrador do filme, Capitão Nascimento, era o herói tão esperado da direita brasileira e da classe média reacionária de nosso país. Um homem comum que escolhe ser policial da mais preparada elite da segurança pública, problemas conjugais que resultam da pressão profissional, abusos de poder no exercício de sua função; no entanto não é corrupto e despreza com toda fúria aqueles que se rebaixam à ela. "Bandidos são bandidos, e não 'vítimas da questão social'. Há policiais corruptos, mas também muitos que são honestos", Marcelo Carneiro (Revista Veja 17/11/07); logo depois acrescenta: "Por último, a brutalidade de alguns policiais pode ser explicada pelo grau de penúria e abandono que o estado lhes reserva". Assim a mídia e o 53% dos entrevistados (pesquisa feita por Vox Populi) vêm ao Capitão Nascimento como um herói humano e válido de respeito por combater a "bandidagem" dos morros do Rio de Janeiro. Os meios ficam em um segundo plano, torturas e execuções, enquanto que o fim chega ao extremo da aniquilação seletiva daqueles que se encontram na linha de tiro. Os setores jovens da classe média em vez de discutir os acionares do Bope (Batalhão de Operações Policiais) incorporam os diálogos do filme como algo normal e a violência policial termina sendo justificada através do novo herói o Capitão Nascimento.

A Guerra Suja

O batalhão surge em 1978 com o objetivo de que a polícia tivesse uma elite especializada em resgate de reféns. Mas com o crescimento do tráfico de drogas nas décadas de 80 e 90, o grupo foi treinado para invadir as favelas com armamento pesado. Hoje conta com 400 homens preparados com táticas de operações na selva, a utilização de até 12 tipos de armas de fogo e atiradores de alta precisão.

Os anos de ditaduras militares na América Latina se conformaram baixo a Doutrina de Segurança Nacional confeccionada e financiada pelos Estados Unidos. Em seu principal centro de treinamento, conhecido como Escola das Américas, foram treinados militares de todo o continente para combater o "inimigo interno": a denominada subversão. Como diz o narrador Capitão Nascimento: "o policial tem três escolhas: ou ele se corrompe, ou se omite ou vai para a guerra"; a mesma guerra não declarada dos anos de chumbo. Em qualquer conflito armado existem regras e tratados internacionais que se devem respeitar (o que se deveriam), mas quando dita guerra não é declarada pelo Estado, os supostos generais estão livres de praticar qualquer ação que acreditem conveniente. Por isso encontramos corpos com sinais de torturas, execuções com arma de fogo a curta distância; práticas que vieram dos anos 70 e hoje estão reorientando seu discurso para justificar as mesmas aberrações. O que antes era o "perigo vermelho" agora é observado como o "combate contra as drogas", o novo inimigo da sociedade brasileira que deve ser aniquilado. Esta "guerra", nos últimos seis meses no Rio de Janeiro, já cobrou um total de 694 vítimas; o que representa um Carandiru por mês.

Na ficção da realidade e na realidade da ficção

Foi assombroso ver como o filme do diretor José Padilha abriu muitas portas para o debate sobre a violência estatal e o tráfico de drogas, mesmo antes der ser estreado nos cinemas através da pirataria (11 milhões de espectadores). Deve-se esclarecer que Padilha nunca quis criar um herói para a direita reacionária e justificar o acionar policial, ele foi bem claro na entrevista realizada pelo programa Roda Viva no canal de televisão Cultura. Mas os produtos culturais não respondem ao seu produtor, serão os espectadores que se apropriam e reelaboram o discurso artístico para novas produções ou representações culturais. Uma delas foi declarada pelo ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, para à Revista O Globo: "... o filme tem deixado os policiais do Bope orgulhosos. Temos um curso anual que abriu inscrições mês passado. O número de candidatos foi de 547, seis vezes maior do que o normal (...) A impressão que tenho é de que existe hoje no Rio um pacto não firmado de que a tortura está sendo tolerada por todos".

Até onde o filme serviu para discutir a transformação da polícia atual e novas políticas estatais para enfrentar o crescimento do tráfico? É difícil responder. No entanto, deve-se estar atento à grande resposta a favor da violência policial dentro da sociedade brasileira, esta tendência pode aumentar favorecendo a políticas mais duras ainda.

A aura de incorruptibilidade do Bope se mantém à risca nas palavras do coronel Mário Sérgio Duarte: "Uma simples suspeita é o suficiente para que o policial seja afastado, mesmo que ela não fique totalmente comprovada. Não pode pairar nenhuma desconfiança sobre um homem do Bope". Mas não existe o mesmo critério para aqueles que utilizam bolsas de plástico como método de tortura ou abusos de poder. Então qual é a moral?

Outras das situações geradas pelo filme foi o tema dos consumidores: "Quem consome droga ilícita põe uma arma na mão de uma criança. É simples. É fato. É objetivo", sentencia Reinaldo Azevedo (Revista Veja 17/11/07). É tão simples que falta muita coisa no meio para que isso aconteça. Existe no meio uma organização criminosa, existe um Estado que proibiu tornando a droga ilegal e altamente lucrativa, ademais daqueles que fazem entrar armamento pesado proibido ao país. A legalização das drogas teria como primeiro efeito desarmar um dos negócios mais lucrativos que existem, que gera excedentes exorbitantes que terminam corrompendo policiais e políticos em todas as esferas do governo. Isto também desenvolveria um compromisso muito mais próximo por parte do Estado ao problema, uma grande hipocrisia cairia e consumidores e não-consumidores por fim se veriam as caras. Mas o negócio é enorme, a classe média fica cada dia mais assustada com os crimes televisados, a direita mediática pede mais sangue e não faltam policiais armados e dispostos à acudir ao clamor de uma sociedade cada dia mais longe dos ideais de igualdade, solidariedade e justiça.

3 comentários:

Rodrigo Menitto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Não concordo com a visão de que são duas guerras iguais "Anos de Chumbo" e a "Guerra Suja".
A primeira veio atraves da escolha politica, dos preceitos de liberdade, e democracia.
A segunda esta ai atraves do crime da corrupção de da impunidade e o total descaso das leis.
Uma policia forte nas atitudes deve ter atraz de si um trabalho investigativo,estrategico da mais alta competencia, para que uma vez acionada e na rua ela não se perca nas atitudes e nos propositos de impor a lei.

Anônimo disse...

A comparação dos tipos de guerra é em função do acionar do Estado e não das organizações armadas. Depois, mais que uma polícia melhor preparada no estratégico precisamos de uma mudança política no social e na segurança.